sábado, 12 de julho de 2014

Já andei de bermuda

Já fui mal visto, pela forma como me vestia. Hoje, tive que começar a aprender a me vestir, para ser visto como eu mesmo me via, ou talvez como eu gostaria de ser visto. Não que eu ainda saiba me vestir, mas acho que já me viro melhor, e sou mais bem visto.  Não que eu precise disso ou daquilo para ser. Não que eu seja o que eu vejo em mim, o que projeto, ou o que qualquer um possa ver e projetar. Sou apenas um projeto, ao vento, tentando manter o rumo em um mundo onde o caos é a única lógica que não submerge a nada além de si mesmo.

Sim, o mundo é esse, e é assim que as pessoas são. Sociedade do espetáculo, insaciedade da imagem, do culto à aparência, à superfície. O belo como fuga da morte, do horrendo, do finito. Nas profundezas, apenas os traumas, as lembranças e as realidades que tanto nos esforçamos pra calar. Logo eles, que nos explicam e que tanto queremos ignorar. Logo eles, que nos espreitam e ameaçam invadir o espelho e quebrá-lo. Eles, que nos acordam à noite, e para o qual desenvolvemos remédios e subterfúgios placêbicos para nos reequilibrar.

Equilíbrio. Controle. Ilusões. Assim como qualquer imagem, qualquer visão, totalmente vulnerável ao que está por trás das lentes, por trás das mentes. Ilusão, na terra do caos, é a única certeza que, certamente, não nos mente. É o conjunto união e a interseção. Ilusão é a única realidade plausível.

Olha, mas diante disso tudo, tudo o que eu quero é sobreviver o mais são possível. Sinto, claro, que quanto mais insano, mais são. E quanto mais saudável, mas não somos o que querem que sejamos. E mais eles não são. Sanitarizados em formulários de boas práticas e governança corporativa robótica parametrizada para que sejamos funcionais. Óbvio, não basta funcionar. Tem de parecer que funciona.

Então é isso. Cabeça no lugar. Imagem certa. Seguir regras. Em alguma brecha, buscar algo mais, sem ferir demais os demais e arrombar a rachadura. Na cara dura, tentar ser e parecer, e, se der tempo e for possível, até viver.    

Já andei de bermuda. Já andei de calça jeans. Já andei de camisa social. Hoje, ando de blazer. Mas ainda sonho, e ainda quero andar com uma guitarra e um violão. Caneta e papel na mão. E assim, trilhar meu caminho na vida, até o ponto onde meu andar for manso, de short e camiseta, lembrando de todas as roupas que usei, das estradas que percorri, das delícias que vivi, das dores que senti, dos amores que amei. Lembrar de tudo o que sei, e do que fui e sonhei, do que sou e ainda serei, até que o tempo me sopre as memórias de volta ao caos.

Caos, meu lar doce lar. Sem a ilusão da visão. Sem ser visto. 

Lembrado, talvez. Por como me vestia. Por como era visto. Espero que, também, por quem me importava e pelo que importava. E nisso, invisto. Insisto em não perder de vista. 


Hasta la vista.

2 comentários:

  1. Grande Xan!!! Muito bom!!! E parabéns pelo carro!! A blazer, mesmo antiga é um baita carro!! !

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