Olhei nos olhos da loucura e vi você.
Despido de seu animal, trajando um comportamento sociável de alta costura.
Atitudes engomadas e palavras de manga comprida.
Consciência passada a ferro, com todo o esmero.
Cabeça no travesseiro e dinheiro na conta, tudo normal.
Mas...
uma voz rompe o sossego.
Aquele sino não para de tocar.
Um grunido.
O sono embebido de suor te acorda, e se vai.
A cama machuca as costas.
Trêmulas pernas te levantam, mas não te sustentam.
Cambaleante, o banheiro se aproxima.
Antes do choque, um baque.
Pausa.
Você olhou no espelho e viu a loucura nos olhos.
E caiu.
Olhei nos olhos da loucura e me vi.
Rindo do sangue que varre as ruas,
jorrando das urnas,
torcendo para o tiro acertar a cabeça do bandido.
Qual bandido?
De um lado, a arma da fome.
Do outro, a fome como arma.
No meio, eu e você.
E uma bala.
Quem está perdido?
A justiça clama pela cidade.
O Rio se tranca em casa com medo do povo.
As ruas faltam o trabalho e a escola, esvaziando as pessoas.
A segurança pública defende a tese de que o prefeito é prioridade.
Está decidido?
O banho de balas à cada cartucho de lama se esvai com o bueiro pelo sangue das manchetes do ostracismo de amanhã.
Com as mãos sujas, olhei nos olhos da loucura e vi a sanidade.
Perplexa com todo esse caos.
Segurando uma arma.
Um corpo extendido no chão.
Homens correndo mata adentro.
Eu estou dentro ou fora?
E eles?
As lentes recortam a realidade em sanduíches de audiência.
Eu estou com fome.
A sanidade me olhou nos olhos e me saciou com um beijo de boa noite.
Mas eu acordo. Um dia, acordo.
Me levanto e vou para o espelho.
Cadê você?
Olhei, à procura da loucura, e não a encontro.
Mas ela está aqui, a espreita.
Eu posso senti-la correndo pelos meus dedos,
formigando meus pés,
saindo pela minha boca.
Contida nas contingências do cotidiano.
Enclausurada num corpo.
Numa casa. Numa tarefa. Num grupo.
Numa cidade.
Numa idade, sem nenhuma identidade com a realidade.
Esfacelada na parede, com seus miolos espalhados na decoração.
Olhei nos olhos da loucura e vi o amor.
Fantasiando sabores e comendo mobília.
Endividados pela carne, pagando promissórias fatias de indiferença.
Na boca, o gosto amargo do feliz para sempre,
perdido nas papilas gustativas da desilusão.
Um objeto necessário, refém de projeções,
utilitário na busca das respostas que sabemos não existir.
Mas dormimos abraçadinhos e juramos que desta vez é.
Talvez seja, quem sabe?
Apago em meio ao sonho do verdadeiro.
O amor me olhou nos olhos e me ignorou.
Mas te peguei pelo braço.
Preciso do teu sexo.
Minhas baterias estão fracas, e meu hálito, quente.
Tenho sede do teu orgasmo refrescando meu ego,
teu olhar de tesão me adulando,
enquanto finjo que gozo e olho no relógio.
Eu trabalho amanhã, me desculpe.
Tá na hora de ir embora.
Beijos!
Chego em casa e me sinto só.
Durmo no vazio do seu cheiro.
Mãe, suplico pelo teu perdão e teu carinho!
Pai, me dê a mão e me guie pela escuridão!
Tenho medo do clarão da janela!
Acordo e acendo a luz.
Na cabeceira, uma bíblia e uma arma.
Nas mãos, um copo d'água.
Um gole, um versículo, uma bala.
Olhei nos olhos da loucura e vi a salvação.
Um gole, um versículo, uma bala.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
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Lindo! Sua narrativa é tão intensa que dá pra ver as cenas na minha cabeça. Parabéns! E tá na hora de atualizar, não? Hehe! Não pare! Bjs!
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