terça-feira, 13 de julho de 2010

Poetas perdidos

Uma geração inteira de poetas perdidos.
Estraçalhados em baias,
aprisionados em ilhas
e cegos por planilhas.
Vivendo softwares,
em piloto automático.
Pensando em cifras,
nada musicais,
por necessidade.
São os tempos, eu sei.
Não se luta contra a evolução.
Mas se evolui também.
E a repressão do poeta não é crescimento, é adequação.
Isso não.

E seguem as hordas,
esbravejando em celulares,
andando aos pares,
em milhares,
em bares e embates,
baladas baratas para esquecer a verdade.
Triste verdade da condição humana,
o poeta contra a própria natureza.
Replicando a criação já criada,
e aquivando a criação malcriada.
Se fazendo de ferramenta, alimentando um sistema,
sendo necessário, e necessariamente remunerado.
Esse é o jogo, eu sei.
Mas joga-se também, toma-se o controle.

Aliás...controle, necessário.
Ilusões,
disso, os poetas entendem.
E por que se cegam diante delas?
Não é a paixão inventada,
é o esconderijo seguro.
Abrigo amigo que me impede de ser quem eu tenho medo de ser.
Sem saber que já sou.

O mundo não precisa de mais um apertador de botão.
E se precisar, deixe para outro.
A liberdade da poesia é para poucos.
(E já somos muitos, esses subutilizados poucos)
A criatividade de verdade, e não a da publicidade que vende obediência (sem maldade),
o poder de fazer nascer, do nada, tudo.
Um mundo em trasnformação no confronto entre a matéria-prima mundana e o pensamento revirante,
revoltado e revoltante.

O instante que aprisionamos na mente e libertamos em palavras.

O grito, em cada micronésimo de decibel da dissonância das cordas vocais em vibração;

O olhar, em cada partícula de poeira que se esconde no invisível do ar, porém, é testemunha de tudo aquilo que a alma pode dizer na força dos olhos;

O beijo, e cada molécula da água da saliva que já percorreu rios e oceanos, já foi ar, já foi terra, já foi sangue e já fez história, e hoje está entre você e quem você ama - para depois transitar para o imponderável.

A poesia é para quem é poesia.
Palavra em movimento.

E você teima em se esconder de você.
Gato e rato convivendo em um sótão escuro, cheio de riquezas,
abandonado.
E senta de novo em seu computador.
"Pela necessidade".
Fuga, meu irmão, é fuga.
O mundo é teu, e você não toma posse.
Não quer? Foda-se.
Fica aí na sua mesinha.
Vá comprar móveis novos para preencher o vazio lotado da sua sala de estar.
Engula um sanduba e não mate de vez a sua fome dolorida pela vida em estado de morte.
Vá rodar redemoinhos e aspirar por furacões, e se satisfazer na brisa.
Levante-se agora e vá lá fazer nada pra alguém, em troca de alguma coisa, dando muito para quem te manda e ganhando pouco para quem rala.
Entra na roda que tá tudo certo. Vai melhorar, sim.
Se acalme, tome um rivotril e durma com os anjos.
Amanhã tem trabalho.

Acorde e vá.
Pegue o ônibus e salte.
Caminhe, bata o crachá.
Pegue um café e senta.
Eficiência. Metas. Branding. Brainstorming. Benchmarking.
On demand. Just in Time.
Lassez-faire. Mais-valia.
Respira e vai pra casa.
Crachá, rua.
Pegue o ônibus e salte.
Casa, enfim.
Beijo de boa noite.
"Boa noite".
Boa sorte! Boa morte!
Viva bem assim,
seja feliz, é o que vale!

Mas, lá no fundo,
no nanossegundo entre o sono e a consciência,
na inocência dos desejos,
na inconfidência dos rascunhos escondidos,
poetas.
Não se renegue.
Seja.

2 comentários: