Data, 24 de maio de 2003.
Personagem: Alessandra Rodrigues, grávida de gêmeos.
Local: Porto Ferreira-SP.
Sinopse: Alessandra deu a luz a duas crianças, mas só saiu do hospital com uma. A menina, Lara, voltou para casa com os pais. Já Luiz Felipe não resistiu a problemas cardiovasculares, e morreu. No entanto, a mãe não acreditou nos médicos e, durante anos, buscou justiça. E ainda busca.
A história, contada no Fantástico deste domingo, é daquelas que nos faz desacreditar. Perder a crença em todas as instâncias de um Estado que nos retira muito e nos dá muito pouco. E ainda resolve nos vilipendiar.
Alessandra duvidou da morte do menino. Não pelo sentimento de negação - natural a qualquer perda -, mas pelo fato de seu marido, Pedro, ter visto a criança pouco antes de dormir, e ter ouvido do médico que tudo estava bem. Pela manhã, a notícia de que Luiz Felipe não resistira. Pouco depois, o enterro apressado, de caixão fechado. Quadra 4, Cova 231.
O instinto materno gritou incessantemente. O pai, incrédulo, consolava a inconsolável esposa, mas insistia nas investigações. Três anos depois, o casal garante na justiça a exumação do corpo da criança e a coleta de DNA. O resultado, para surpresa de todos – menos de Alessandra -, mostrava que a criança enterrada não era Luiz Felipe Rodrigues.
A mãe sentia um misto de esperança e desejo por justiça. O filho poderia estar vivo, em algum lugar. No entanto, alguém haveria de explicar o sumiço – e pagar por ele. A prefeitura, gestora do hospital, indeferiu o pedido de indenização, “improcedente”. Contestava a exumação, dizendo que o corpo examinado não era o de Luiz Felipe, que teria sido enterrado na Quadra 1, Cova 231. É o que consta no livro. O problema é que, vendo-o, nota-se uma (bem) provável alteração de “1” para “4”. O pai, que esteve no enterro, contesta, insiste no Lote 4. O próprio funcionário que preencheu a ata afirma que está na 4, quadra onde sempre são enterradas as crianças.
Como se não bastasse a lambança, descobre-se que o mesmo homem que geria o hospital controlava também o cemitério. Calma, não se precipite, tem mais. Ouvido pela reportagem, este senhor, diretor de duas instituições públicas, reiterou veementemente que os procedimentos na casa de saúde foram normais. Até ai, não há o que se possa contestar ainda. Quanto ao cemitério, não soube explicar o que houve com o livro. Ele ainda desaconselhou a exumação do “corpo certo”, afirmando que constantemente as placas das covas mudam de lugar por ação do vento, ou de algum cachorro que invade o local.
?????
Pelo amor de Deus!!!
Esta triste história continuará nos tribunais. As respostas que busca Alessandra podem até vir em forma de verdade, mas serão cobertas por pontos de interrogação. O motivo? O descaso do Poder Público com o cidadão. E ele aparece em todo lugar.
Está na nota zero do prefeito para a cidade durante a tragédia das enchentes, como se ele mesmo não tivesse parte na falta de segurança das vias e moradias do município. Está no orçamento público, que vê milhões saírem dos cofres públicos e chegarem aos centavos em serviços para o cidadão. Está no médico que trata mal o paciente em um hospital. Está no policial que provoca mais medo do que segurança. Está no congressista que constrói fortunas sem renda compatível e sem ser importunado por isso. Está na esquerda, na direita, no centro. E o interesse da população, bem abaixo na lista de prioridades.
A culpa deve ser mesmo do cachorro, ou do vento.
Por outro lado, cachorro não vai às urnas, e o vento carrega pra longe os santinhos de outubro, assim como o faz com os confetes e serpentinas na terra do carnaval sem fim.
Sem fim e sem graça. Rindo da folia efêmera e vivendo em uma eterna quarta-feira de cinzas.
domingo, 11 de abril de 2010
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É como dizem: o jornalista que não quer mudar ao menos a esquina de onde mora está na profissão errada. Muito bom seu blog. E, ao contrário da situação descrita, seu texto é claro, objetivo, revelador. E um final com a estética e a sensibilidade que hoje faltam ao poder público.
ResponderExcluirAbração!
Grande e bom companheiro Alexandre.
ResponderExcluiros caras são tão bons que nem desculpa sabem dar direito.
ResponderExcluirhá injustiça em tudo quanto é lugar do mundo, mas vou te dizer que não tenho orgulho nenhum de ser brasileira. preferia morar em um lugar cinza e sisudo a ter que passar por certas coisas e ficar sabendo de outras.
Sensacional o seu texto!! Infelizmente assisti a essa reportagem e meu pesar é não somente pela história mas também por sentir-me totalmente de mãos atadas. Detesto essa impotência que me domina e... me cerca. Quanta violência!! E vem de todos os lados! Até mesmo do vento... ou de um cachorro...desalmado!! Tststststs... É de doer!!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirA culpa é do cachorro! Definitivamente!
ResponderExcluirChego a triste conclusão de que cachorros somos nós... que somos levados pelo vento do conformismo e da inércia.
Parabéns por ser um daqueles que tenta mudar a direção da ventania!
Amei o texto! Mesmo esperando uma conclusão redonda e inteligente, me surpreendi positivamente.