quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Analgesia

Tudo friamente calculado.
Métrico e metódico.
A tensão gélida em rostos pálidos,
ávidos por sentir algo além de suas obrigações.
As aspirações esvairindo-se em transpiração.
Sonhos arquivados e usados somente para anestesiar.
E uma cerveja para reconfortar o dia.

Ratos em rodas, enfileirados,
girando o moinho do tempo em eterno pique no lugar.
Vendo a vida correr sem novidades.
O cumprimento da profecia autorrealizável da monotonia.
Desejos? De consumo.
Tudo em código de barras.
Prateleiras de amores e abraços e apertos de mão analgésicos.
Ressaca de viver de mãos atadas.

A farsa da impressão do equilíbrio,
sentada em um gigantesco barril de pólvora.
Você sabe. Eu sei.
Mas siga na sua que eu fico na minha.
Até a fagulha derradeira.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sozinho

7h da manhã, sozinho na redação.
Imagino o mundo sem mais ninguém.
Enfadonho!
Tudo perde o sentido.
Sempre estamos entre uns e outros.
Pegando de cá e levando pra lá.
Ir e vir de coisas, informações, carinhos, decepções.
Elos de ligação de uma corrente invisível.

Corrente esta cheia de pontos fracos,
de falhas incorrigíveis,
mas que se mantém firme, conectada e funcional.
Cordeirinhos, mesmo os mais rebeldes.
Não tem jeito.
Estamos presos um no outro, neste jogo cármico.
Mas quem move as peças?

O livre arbítrio?
A mão de Adam Smith?
O vento do vazio infinito budista?
A determinação de um Deus onipresente e controlador?
A ciência e quem a controla?
Ectoplasmaticamente envoltos?

Não sei.
Só me sinto ligado à você mais do que nunca.
Preso nesta massa amorfa de coisas táteis e invisíveis.
Estamos no mesmo barco, e ele está afundando.

São 7h42 e ainda estou sozinho na redação.

Sozinho?

Não creio.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tanto faz

Tanto faz acordar ou dormir
O chão já não sustenta minha leveza
As ruas estão vazias, assim como todos nós,
cheios de ódio gasoso nos pulmões,
esperando o próximo mês para pagarmos pelo que não fizemos.

Tanto faz ter alguém ou ficar só
se estamos sempre sozinhos,
ou, no máximo, mal acompanhados.
Abandonados por nós mesmos na porta de casa
sem beijo de boa noite nem um convite para entrar.

Tanto faz você me dizer a verdade,
se seu corpo e suas atitudes mentem.
você já não sabe o que é ou não é real
e, na realidade, até você pode ser mentira,
dado o meu ceticismo quanto à essas coisas.

Então, tanto faz se a história é bonita,
se, no final, tudo vai dar certo.
O que importa é sempre o prêmio,
o pote de ouro no fim do arco-íris,
a fantasia recompensadora.

Tanto faz se a foto ficou boa,
se você está fofa e sorridente ao lado de sua amada família,
quando você, sorrateira e baixa, se esconde nas sombras
e vive uma segunda fornada de hipocrisia envolta em carne e suor.
Sorrindo a cara lavada da escrotidão contida.

Tudo e nada é a mesma coisa em sua vil virtude desvirtuada.
Só há você, e, até mesmo isso você tortura.

Ah, mas não se preocupe.
Esses valores são tão ultrapassados!
Os tempos mudaram, meu amigo. Não existe romantismo.
Utopia é para os ingênuos, despreparados.
O que vale é o agora, é o saldo, é a sensação.
O tempo é um conta gotas maldito, ampulheta que amputa e expurga.
Quando o hoje virar amanhã, eu me viro.
Deixa pra depois.
Sei lá, tanto faz.

Foda-se.